MIUCHA*

Tinha jeito de índia.

Eu achava digno, como deveria ser o início dos tempos no Brasil.
A professora Edi, era ainda chamada de *tia*. Algumas vezes, na mistura de parentescos, chamava a tia Edi de *mãe*.
Tinha um cabelo bem preto e viradinho para dentro nas pontas. Usava franja.
Lembro da letra desenhada e dos incentivos no caderno: “muito bem, docinho!” invariavelmente acompanhado com três estrelinhas.

No Colégio Franciscano Diocesano, as professoras usavam um jaleco azul royal, embora o chamassem de guarda-pó. Nele era bordada a logomarca do colégio e o nome dela: Edi Varella, lembro claramente.
Achava feio o jaleco.

Se eu paro para pensar nos professores de pré-escola, fico espantada. Trabalho delicado e de exercício da paciência. Em uma época que computador tinha letras verdes, as provinhas e atividades eram todas em papel, alguns desenhos eram mimeografados. Eu gostava porque adorava a cor púrpura. Lembro do capricho da Tia Edi e de como ela ficava feliz quando a gente caprichava também.

Eu sempre pedia para a minha mãe umas revistas velhas para recortar e enfeitar as tarefas.
Dia desses eu encontrei uma folha de desenhos feitos naquela época. Uma família de ursos.
A mamãe-urso tinha tanto blush e batom que achei engraçado. Usava salto também.

A tia Edi não se maquiava muito, usava um batom vermelho, às vezes. E o jaleco, sempre.
Acho que eu ficava notando os detalhes e esquecia que precisava estar prestando atenção na aula.
Uma vez, deveríamos saber escrever o número “5”. Eu não sabia.
Não tinha aprendido porque a história que a tia Edi contou para aprendermos o número cinco era a de um guardinha. O guardinha ia por uma rua, descia e fazia a volta em uma esquina. Eu fiquei pensando onde era...em que rua? que guardinha? E esqueci de entender que o número cinco vinha depois do quatro.
Pequeno pânico da ida até o banquinho comprido, que ficava abaixo do quadro negro. Superei. A tia Edi pegou o giz com a minha mão e me ajudou a fazer. Alívio.

Não sei por onde anda a tia Edi agora.
A última vez que a vi, foi quando estava na quinta ou sexta série do ensino fundamental.
Não vou mentir, “googlei” ela há dois minutos. Não achei nada.
Agora ela está aqui, na minha primeira recordação de professor.

“Muito bem, docinho”. * * *


*MIUCHA é Ana Marta Moreira Flores. Amiga da Pró. Do Sul. Escreveu esse texto só pra gente, em fevereiro... Apareçe agora. Tá.

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