DOROTÉIA SANT'ANA

Eu fui para o colégio tardiamente, porque estudar não era a coisa mais importante lá em casa. Ao menos eles pensavam assim, talvez porque trabalhassem demais.
Antes da escola tive algumas professoras de vida e recordo de uma em especial: minha avó paterna. Lembro dela magrinha, de cabelos alvos e presos num coque! Sempre vestida com roupas sóbrias e escuras, fazendo alguma reverência (ao menos) ao branco. Em tempo de abóboras, colocava um avental longo sobre o vestido, um lenço na cabeça, e lá íamos nós aos tachos de cobre (aqueles panelões vendidos pelos ciganos) nos fogos de chão. Nunca esqueci das cores daqueles doces a ferver, mexidos por imensas colheres de pau que asseguravam não nos queimaríamos durante o processo.
E quando era tempo de figo, ralávamos em pedras ásperas até ficarem lisinhos e nosso dedos esfolados. Quilos de figos para também irem para o tacho.
Ela ainda gostava de fazer (e comer) arroz com passas de pêssego. Deixava secando ao sol e guardava em latas grandes para uso posterior. Por alguma razão que não sei, até hoje dispenso a iguaria, assim como a todos os arrozes doces. Trocava-os de bom grado pela canjica de milho com açúcar.
Fazia para mim inúmeras bonecas de pano, dessas que agora voltaram a ser moda, e bem que tentou me ensinar crochê. Sentava na cadeira de balanço e ficava horas ali fazendo as redes mais lindas que já vi. Não teve jeito. Perdeu a disputa para o tricô que minha mãe fazia, veloz, e me ensinara. Por vezes, acho que as duas disputavam e eu era parte do jogo...
Mas ela era também uma rezadeira.
Festa do divino e lá ia para a Igreja.
Estava doente, vinha o padre visitá-la e as outras filhas de Maria.
A santa - acho que era Nossa Senhora do Rosário - passava alguns dias do mês na casa dela. Ficava na mesinha especial no quarto, e dá-lhe reza!
Me ensinou a benzer tormenta com palma benta. E foi um dos episódios mais impressionantes que já vi. Armou-se um temporal (aqui se diz assim) e o céu escureceu rapidamente em nuvens negras e velozes. Ela pegou os ramos de palma trazidos da missa de páscoa (acho), posicionou-se no quintal ao lado do poço redondo que ficava entre a casa e os galpões, e se pôs a rezar com os braços erguidos à tormenta.
Não sei explicar, pois era uma pirralha assustada, mas recordo que vi as nuvens dividirem-se em duas direções opostas e o céu ficar claro, clarinho novamente.
Depois, ela chamou uma tia professora que tinha muitos livros.
E a partir de então eu me perdi neles.
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Dorotéia Sant'Ana é empregada doméstica, trabalha com Rosana e adora ler. Lê tudo que encontra pela frente - o que em se tratando da pró Rosana, não é pouca coisa.

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4 Comentários:

Blogger tássia disse...

Dorotéia Sant'Ana, agora sim pude te compreender melhor. Vens de uma linhagem autêntica de bruxas... daquelas que sabem fazer parar até raios e trovões. É daí que vem a tua força, menina. Gosto demais de ti. Grande aquisição da patroinha =)

25 de novembro de 2008 às 11:37  
Blogger Dorotéia Sant'Anna disse...

Pois então, Tassinha, te lendo aqui me senti poderosa.
Será que sou filha de Iansã? rsrs

25 de novembro de 2008 às 13:03  
Blogger tássia disse...

Se assim for, Santa Bárbara há-de te iluminar. Dia 4 de dezembro, faça um caruru pra ela...

25 de novembro de 2008 às 13:09  
Blogger Ari disse...

Grande Dó. Eparrei, minha mãe!!!

25 de novembro de 2008 às 14:43  

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