MILLE

Foi em marco de 1959.
Menino franzino, cabelos crespos, olhos muito vivos e espertos.

Peguei por minha conta mesmo um petiço, um pedaço de papelão de caixa e um toco de carvão. Ia num petiço malacara, depois num alazão. Ficava uns 7 km lá de casa, nos Amarais.
Lembro de pouca coisa. Das geadas no inverno, os cascos virando o gelo nos buracos de outros cascos. Ia sozinho mas voltava com mais uns 5 que moravam perto.
Frio...
O colégio era de madeira e pequeno, todas as séries juntas. Uns 30 alunos acho.
No verão era muito quente. Todo mundo ia de chapéu e tinha que deixar fora. Num suporte do telhado. Um dia saímos eu e outro primeiro. Pegamos todos os chapéus e gorros juntos e saímos atirando pelo meio do campo. E dando chutes. A professora nos chamou e passou a palmatória na mão.
Não lembro da cara dela, nem do nome, mas dos olhos antes de me bater lembro bem.
Era um olho tipo malvado, sabe? Sarcástica. Da dor nem sei. O pior era a humilhação. Todo mundo olhando
Tinha o Peninha de colega. Era filho do "dono" do colégio. Zarioinho e superprotegido. Fiz queixa dele uma vez. A professora botou o menino de castigo na frente de todos. Ele chorava, enfiava o dedo por baixo dos óculos e me olhava com raiva. Eu nem sabia que ele só enxergava de um olho.
A saída era sempre as carreiras. Eu perdia os pedaços dos arreios correndo e claro, sempre perdia a carreira porque andava num petiço de merda.

Tirei o primeiro lugar no primeiro ano, mas eu já sabia ler um pouco. Aprendi meio sozinho numa lata de banha. Marca TATÚ. Uma lata verde de 20 kg. Depois se usava pra guardar outras coisas. Eu lia o que estava escrito nas latas. Nessa tinha um tatuzão enorme, ou nem tanto, eu que enxergava grande porque era pequeno. A lata ficava ao lado da cozinha. Com as "tuias" (tulhas par guardar alimentos) divididas em 3: uma arroz, outra açúcar e outra feijão. Aprendi a ler sozinho – como muitos - tendo que ler "banha" antes da "ave" do “Vivi viu o Ivo”.
A escola era apertada e os outros me pareciam muito grandes, mas em Rosário era leve.

Não tinha essa coisa de guri de cidade. “Pega o pé de gordo”,cara com óculos”, “magrinho”, “negão”,feio” etc. Em Alegrete é que foi... Gente bem podre que tinha...
Eu vim pra cá no meio do quinto ano primário e só fui me equilibrar no ginásio.

Engraçado é que em todo tempo não lembro de ter pegado chuva nenhuma vez.
Mas do frio eu lembro.

Acho que a roupa era pouca.
Até hoje sou friorento.


MILLE é gaúcho e morava "prá fora" - como se diz "meio rural" no RS. No tempo dele, muita gente boa aprendeu a ler sozinha - quase desse mesmo jeito que ele conta.

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1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Ô Amélia...traga prá cá o dicionário do post do Mille que estava lá no Divinas.

26 de novembro de 2008 às 00:43  

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