ARI COELHO

Meu primeiro professor foi uma professora, ou melhor uma general, Dona Semírames.
À época, em Salvador, existia uma espécie de “ONG” ou coisa parecida chamada Liga Baiana Contra o Analfabetismo, capitaneada pelo grande Cosme de Farias (tem um bairro aqui com o nome dele), rábula de grande notoriedade, negro engajado na luta contra o analfabetismo, grave problema que atingia quase que maciçamente a população afro-descendente dessa que já foi considerada a Roma Negra.
Claro que essa síndrome do politicamente correto ainda não existia.
Pois bem, algumas escolas faziam parte dessa Liga e a minha primeira escola era uma delas.
Dona Semírames, também negra, altaneira, tinha no mister da docência sua profissão de fé. Orgulhava-se da sua profissão e era tietaça do velho Cosme de Farias.
A escola era particular, no sentido de não ser governamental, porém era mantida pela Liga e contava com poucos alunos pagantes.
Era, de fato, uma empresa familiar onde trabalhavam e moravam também um irmão e uma irmã de Dona Semírames.
Naquele tempo, o ingresso na escola se dava por volta dos sete anos e eu, por ser o caçula, não gostava de ficar em casa quando todos os meus irmãos (cinco) iam para a escola. Por isso, um dia lá, tomei a decisão. Coloquei um jornal velho debaixo do braço e, de calção e pés descalços, bati na porta da escola de Dona Semírames que, muito gentilmente, me atendeu.
- Meu filho,você ainda é muito pequeno.
- Sou não. Já vou fazer cinco anos.

Resumindo, minha mãe me localizou em plena reunião com a professora que, impressionada com a esperteza do garoto, propôs que eu freqüentasse a escola como uma espécie de aluno ouvinte até atingir a idade competente.
Topei, e dia seguinte, estava lá com um lápis e um caderno.
No início, tudo corria muito bem. Eu já havia aprendido o ABC em casa e não tive dificuldade em aprender a ler rapidamente. Com o passar do tempo, porém, passei a pleitear um tratamento igualitário, o que significava o direito a fazer provas, tarefas de casa e participar das sabatinas de aritmética.
Consegui somente o terceiro pleito que, por coincidência era o pior de todos, considerando que os números nunca foram o meu forte e que, a cada erro, recebia-se uma relepada de palmatória que doía pacas.
Passou-se o primeiro ano. Completei seis anos em dezembro. Todos os colegas passaram de ano, menos eu, apesar de ter rendimento melhor que muitos deles. Convoquei outra reunião com a pró, por não achar justo ficar para trás quando havia demonstrado competência para seguir em frente.
- Você lembra o que combinamos?
- Lembro... mas...
- Não tem mas nem meio mas...

Chama o síndico, quer dizer... a síndica, quer dizer... minha senhora mãe.
- O menino não tem maturidade para fazer o segundo ano. Melhor repetir o primeiro e entrar com a idade certa, conforme o combinado.
- Eu prometo que posso fazer, fessora. Prometo que vou passar de ano. Que vou ser um bom menino. Que não vou falar palavrão e que vou pedir a benção a todas as velhas e velhos do bairro (um costume da época contra o qual já tinha-me rebelado: “Bença D. Iaiá... Bença D. Hilda... Bença D. Zulmira – vou tomar mais a bença porra nenhuma e pronto).
Yes!
No final do ano, apesar de um rendimento na média, a danada da Dona Semírames me reprovou. E foi como ela quis. Só entrei no ensino oficial com sete anos, como mandava o figurino. Sacanagem de Dona Semírames.
Mas gostava dela e nunca guardei mágoa da doce generala, a não ser no primeiro momento que fiquei puto da vida com ela.
Uma coisa que não esqueço é que, nos dias de calor, ela usava vestidos de alça e, quando ia ao quadro negro, o talco colocado excessivamente em seus sovacos fazia densas nuvens na sala, provocando risadas na galera.
Ela, exaltada, aplicava fortes tapas no sovaco produzindo nuvens ainda mais densas e falava:
- Estão rindo de que? Minhas axilas são muito asseadas.
Dona Semírames morreu quando eu era ainda criança e a escola fechou. Aí, fui estudar numa escola no Rio Vermelho o que, para mim, era tudo de bom porque tinha que pegar buzu.

Ari Coelho é baiano e hoje vive em Itapuã. Mais dele AQUI

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2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Devia ser uma senhora cena esta do talco!rsrs

26 de novembro de 2008 às 00:44  
Anonymous Anônimo disse...

Ari, eu estudava num ginásio católico. O Papa agonizava. Todos os dias eu rezava e perguntava pela saúde dele. As freiras, comovidíssima com meu interesse.. E minha reza deu certo! Ele morreu numa terça ou quarta. Tivemos TRÊS dias de feriado - eu rezara tanto para isso! Temia que ele morresse numa SEXTA!

26 de novembro de 2008 às 14:47  

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